segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Sobre um Alguém!

Não falemos sobre sua calma, ou a maneira como tratava à todos como velhos amigos.
Não falemos sobre seu sorriso bonachão, transbordando alegria e uma pitada de deboche.
Não falemos de seu otimismo mesmo em momentos mais difíceis.
Não falemos de seu olhar distante e ameno, sempre mais próximo dos outros que de si próprio.
Não falemos de suas devoções ou da maneira humilde de levar a vida.
Não falemos de seu comprometimento com todos que o cercavam.
Não falemos de seu senso político, atento e mordaz, ou de sua ironia sutil.
Falemos apenas que carregava consigo a quietude de todo bom mineiro. Chegado num dedo de prosa e numa boa xícara de café. E nos pés, entrelaçados em um confortável chinelo de dedo, revelada a marca maior da terra que o acolheu.

Antonio Caparelli.
Nasceu Mineiro de São Tomás de Aquino, Faleceu Paranaense de Londrina.

Deixou filhos, netos, cachorros, gatos, amigos, contas a pagar, genros, noras, quintal para varrer, saudades, muitas saudades!
Não se preocupe, varreremos o quintal por você!

segunda-feira, 7 de julho de 2008

O inocente roubo de uvas!

Assumo perante todos vocês que roubei sim! Roubei e não me arrependo do crime cometido. E digo mais, roubei, não me arrependo e foi premeditado, perguntem ao meu cúmplice, ou vocês acham que fiz tudo isso sozinha? Claro que tive um cúmplice, que pergunta mais tola, eu jamais faria o que fiz sozinha.
Foi assim, nós saímos para andar um pouco logo após o almoço, estava sol e não levamos nenhuma garrafa d’água, não demorou muitos estávamos com cede. Continuamos nossa caminhada apesar da cede, ao longe avistamos alguns animais da região e pensamos que por perto haveria algum lago ou riacho, afinal os animais tendem a se instalarem em locais próximos à comida e água. Estávamos certo, contudo na passava de uma lagoa barrenta, a água era inbebível (se é que essa palavra existe).
Resolvemos, então, avançar mais alguns metros atrás de mais alguma fonte de água, posto que aquela lagoa não deveria ser a única fonte de sustentação dos animais dali, estávamos certos de que havia mais alguma. Não demorou muito meu companheiro resolveu investigar o que algumas árvores inocentes escondiam por entre seus caules, quase perfeito, as árvores escondiam uma pequenina nascente, mas era pequena demais para conseguirmos beber daquela água. A água era limpa, cristalina, mas teríamos de andar um pouco mais para achar um local onde essa água límpida não se misturasse mais com a terra do solo.
Foi esse o começo da nossa perdição. Andamos um pouco mais, já exaustos e com muita cede, loucos por uma sombra para descansarmos. De repente avistamos belíssimas videiras e perto delas uma árvore, foi a derrocada final, não resistimos, invadimos a propriedade alheia e roubamos alguns cachos de uva, fresquinhas, geladas até, por causa da árvore que as sombreava. Ali mesmo nos sentamos e saboreamos as glórias de nosso delito, sem o menor sinal de culpa, mas, sejam sinceros, quem nunca roubou uma fruta do sítio vizinho?

quarta-feira, 25 de junho de 2008

FILO

Todos os anos, há quarenta anos, Londrina é invadida por personagens, anjos disfarçados pronunciando línguas que os mortais daqui pouco conhecem. E eles trazem risos, choro e vela. Trazem panos coloridos, olhares de espanto, palmas de satisfação.
Esse ano, no entanto, trouxeram algo mais. Trouxeram filas, rostos cansados, bocas indignadas, desorganização.
Mas é claro que tudo se esquece no país dos perdões, e os culpados estão intactos saboreando as glórias de mais uma bilheteria cheia, e nós? Bom, nossas bocas raivosas tornaram-se bocas sorridentes e perpetuadoras do bem logo após nossos encontros (marcados e numerados) com os anjos da dramaturgia, e, enfim, após tanta espera sentimo-nos abençoados.
E àqueles que nos perguntaram, sem entender, pois não conhecem o que é a benção póstuma, nos indagaram, indignados, o porquê da espera tão longa, das dores nas costas, do feriado perdido, para essas pessoas, sinto muito, não nos restou nada além do trocadilho:
FILO porque qui-lo!

terça-feira, 22 de abril de 2008

Questões filosóficas!

Acordei, cara amassada, olhos inchados, má vontade... Parecia ser um dia comum, assim como fora ontem e anteontem também. Mero engano!
Ao chegar na sala de aula a bomba estava estampada no quadro havia alguns minutos, em letras maiúsculas para não deixarem dúvidas à respeito da mensagem: PROVA HOJE!
Tremi, como poderia ter esquecido algo assim, prova? Respirei fundo, pensando positivamente, me acalmado aos poucos, tentando arejar as idéias e promover uma maior oxigenação cerebral, inspira, expira, inspira, expira!
- Ora bolas, não pode ser nada tão difícil assim, caso contrário eu teria anotado na agenda para estudar – pensei procurando achar uma desculpa para minha gafe educacional – deve ser com consulta, isso mesmo, não anotei nada porque é uma prova com consulta, provavelmente algum poema para podermos analisar, com certeza é isso... Epa! O que é aquilo anotado mais abaixo no quadro?
Coloquei os óculos para poder enxergar melhor as palavras que seguiam aquele aviso, foi quando o desespero maior tomou conta de mim como se uma corrente de ar extremamente frio tivesse entrado pela fresta da porta: Relacionar o tema com as questões filosóficas.
- Tô ferrada! E agora? eu sabia que não devia ter faltado naquela aula...eu sabia, quais era as malditas questões filosóficas daquela época? Bem...sejamos racionais, já que não fomos muito assíduas às aulas – eu tentava dialogar com minha consciência - qual era o contexto histórico? Claro! Como não pensamos nisso antes – tagarelava ainda sozinha comigo mesma – é o renascimento, certo? Então eles estavam preocupados com o quê? Isso mesmo, como o racional, com explicações racionalizadas.
Um pouco mais aliviada e surpresa com minha rapidez de raciocínio, peguei uma folha em branco e comecei as tecer algumas divagações a respeito da vida e da existência humana.
- Vamos lá, quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha? O ovo claro! A célula mãe deve vir antes...mas talvez para eles a célula mãe não fosse assim tão importante, afinal eles são renascentistas, contestam as idéias religiosas, é verdade, como não pensei nisso antes? Para esses pensadores - vou escrever assim na prova para não parecer que inventei - para esses pensadores a galinha vem antes do ovo, visto que – boa, vou colocar lá uns três “vistos que” – visto que eles prezavam o ser, o homem, o racional e não o divino, portanto não a célula mãe que poderia muito bem ser associada à figura divina.
Virei a página, correndo contra o tempo e logo comecei a próxima questão. Pensei claramente nos fatos e na ordem a seguir. Ponderei que como havia tratado do nascimento deveria tratar da jornada terrestre chamada vida, lapiseira a posto, lá fui eu.
- Quem sou? – anotei no inicio da linha e respondi com prontidão logo em seguida – Você é um homem renascentista, provavelmente um escritor ou um filósofo questionador das causas metafísicas. Essa foi mais fácil, vamos para a próxima. De onde venho? Bem isto já foi discutido implicitamente na história da galinha, não...calma..muita calma, não estou querendo dizer que você veio da galinha, não pense isso, por favor, estou apenas reafirmando que o homem do renascimento vem da ciência, visto que – ufa! O segundo “visto que” – visto que vocês são todos ateus, então vocês não vieram de Deus, a célula geradora, assim como a galinha não veio do ovo – uma comparação, muito bem pensado, está ficando muito bom. Seguiremos em frente, qual seria a próxima pergunta...já sei! Para onde vou? Ora, pois se você é um renascentista do séc. XV, no máximo séc. XVI, você provavelmente irá para um cemitério no fundo de alguma igreja, se você for um pensador rico terá um túmulo só seu, com uma lápide e uma frase filosófica lapidada nela, no entanto se você for um pensador pobre será jogado com tantos outros corpos, alguns filhos da ciência como você outros vítimas dela, dentro de uma vala comum.
Olhei rapidamente o relógio, faltavam cinco minutos para a tal da prova começar e eu precisava de pelo menos mais uma reflexão a respeito do assunto, estava obstinada em tirar uma nota razoável, olhava fixamente meu caderno procurando informações no meu cérebro altamente oxigenado, não olhava sequer para as pessoas que começavam a entrar na sala. Segurei firme a lapiseira, respirei fundo, a idéia estava vindo quando de repente a professora entrou, tão calma, pronta para tentar me enganar naquela prova safada que eu sabia tinha sido marcada bem no dia em que eu havia ido ao médico, mas eu estava acima dela, não estudei em casa mas consegui acessar meus conhecimentos prévios, meu raciocínio lógico e estava pronta para tirar um belo dez...
- Ué? Carol, por que ela está apagando o quadro? – perguntei para minha vizinha de carteira.
- Para passar a matéria dela, ou você quer que ela escreva por cima do aviso de prova do curso de filosofia de ontem à noite?
- Que droga! – pensei – ela sacou que eu ia tirar um dez!

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Justiça?

Essa semana assisti algumas vezes aos programas da TV, em alguns momentos foi por excesso de tempo, em outros por falta do que fazer, algumas ainda foi questão de estar no local certo na hora certa, o fato é que finalmente acompanhei alguns dos entraves semanais.
De todas as reportagens que vi duas, que alias vieram em seguida uma da outra, me chamaram a atenção. Não é novidade para quase ninguém o assassinato da menina de cinco anos, não entrarei em questões com relação ao culpado, não é essa minha proposta. Todos sentiram muitíssimo a morte cruel da menina, e é nesse sentimento compartilhado pela maioria da população que está a matéria que vi no jornal.
A matéria trazia um psicólogo que falou exatamente dessa comoção geral e do que as pessoas fazem em suas vidas a partir de todo esse enternecimento. Dezenas de pessoas que nunca tinham sequer ouvido falar na menina de repente protestam, se exaltam, passam horas em vigília, mal se alimentam, fofocam, mudam suas vidas por conta de uma pessoa desconhecida. Desse evento nós podemos tirar duas observações principais, a primeira, a grandeza de pessoas que se locomovem de seus lares confortáveis para manifestarem-se e chorarem por um desconhecido; a segunda, a imensa falta do que fazer dessas pessoas que, por maldade ou não, transformaram toda a dor e o desespero dessa tragédia num grande circo.
A matéria transmitida logo após a essa trazia uma repórter em frente a uma delegacia na qual alguns dos 17 prefeitos presos por liberação irregular de verbas do fundo de participação dos municípios estavam. A repórter transmitiu calmamente a noticia de que eles seriam soltos junto com todos os outros presos acusados do mesmo esquema, entre eles um juiz federal.
A frente da delegacia estava com pouca movimentação, ninguém protestava, ninguém estava indignado com a impunidade brasileira, não havia nenhum berro por justiça.
É muito obvio que os dois casos mechem conosco de forma diferente, todos nos sentimos mais doloridos e indignados quando vemos a situação nua e crua, com um agravante maior quando falamos de crimes cometidos contra crianças, como no caso do João, o menino que preso pelo cinto de segurança foi arrastado seis quilômetros, ou o caso de Isabela, que acompanhamos a cada dia.
Mas quantas crianças morrem por dia em nosso país vítimas do descaso político, vítimas da impunidade, vítimas de causas invisíveis que geralmente caminham lado a lado com a pobreza.
Não soa absurdo que algumas pessoas mudem suas rotinas por conta de um acidente e deixe que outros 17 saiam sem ao menos levarem consigo uma vaia, um grito de repreensão? Não soa absurdo que ninguém mais se lembre do menino João nem da pequena Madeleine? Não soa ridículo que ninguém se dê ao trabalho de descobrir os nomes das crianças que morreram vítimas da dengue no Rio de Janeiro?
Mas talvez eu esteja apenas criando uma trovoada de absurdos em meio a um belo dia ensolarado, propicio para assistirmos do lado de fora da casa de Isabela sua família entrar e sair.

segunda-feira, 31 de março de 2008

Domingo na feira!

Domingo é um dia engraçado, mesmo para as pessoas que não são religiosas ainda assim parece-me que o domingo é um dia “carismático”, se me permitem a palavra.
Não é necessário acordar muito cedo para sentir que há algo diferente a respeito daquele dia. Talvez seja essa atmosfera familiar própria do dia que nos faz agradecer a chegada do domingo, esquecendo ingenuamente que no próximo amanhecer será segunda-feira. Domingo é dia de ir à missa, que num ato de rebeldia pueril teimamos em cabular, é dia de almoçar com a família, mesmo que seja uma família composta de amigos, escolhida a dedo, é dia de não fazer nada, até a TV não faz nada nesse dia, ao menos nada que preste, mas tudo bem, afinal de contas é domingo.
Domingo desses fui à feira, fazia anos que não passeava à toa pela feira, tudo tão colorido, com aromas frescos, com cara de domingo. Comi uma pastel lá pelo meio da feira, e pedi uma Sodinha para acompanhar, santa ingenuidade domingueira, a sodinha veio enlatada! Tudo bem...hoje passa. Pouco a frente vi um carrinho azul, com várias garrafas cheias de líquidos coloridos penduradas ao lado, um bloco de gelo no meio do carrinho e dois passos depois eu já estava comprando uma raspadinha, aquela mesma da porta do colégio, mas essa estava melhor que aquela, esta era a raspadinha da feira de domingo.
No final da rua estavam algumas barraquinhas vendendo flores, e perdido no meio delas os portões escancarados do cemitério. Passei por ali com uma indiferença qualquer, e notei que todas as outras pessoas, até as que entravam pelos portões, também o faziam assim. E não haveria de ser diferente, não em uma linda manhã de domingo.
Virando a esquina a feira acabou, e meu companheiro nessa aventura dominical se espantou com prontidão:
- Já? Nossa, quando eu era criança essa parecia a maior feira do universo, acreditava que nunca chegaria ao fim dela, muito menos tão rápido assim.
Eu ri da inocência dominical de meu companheiro, demos meia volta, começamos a repassar por toda a feira e nos encantávamos novamente com tudo o que encontrávamos, a frustração passou rapidinho, mesmo porque era domingo, não é dia para se frustrar, deixe isso para a segunda-feira!

terça-feira, 18 de março de 2008

Cativou, sim! Mas não abriu a janelinha do avião para gritar seu nome.

Era um chapéu, ou uma jibóia que engolira um elefante? Seria de um asteróide, quem sabe mesmo do B 612, ou seria ele invenção, produto do sol forte do Saara? Não sei bem ao certo. Apenas me lembro que seja pela terra dos homens, seja em uma ilusão interplanetária, Saint- Exupéry gostava mesmo era de voar sob desertos, jamais fora muito fã de mares, mergulhar não era seu passatempo predileto, e há 64 anos foi a água que amorteceu seu “mergulho”.
O avião em que estava foi derrubado por um piloto alemão, o qual jura de pés juntos que não sabia ser o escritor o derrubado, de quem, aliás, era muito fã. Chegou ao cúmulo de afirmar que caso soubesse se tratar de Saint, não o teria atingido.
Acho que o escritor francês ficou, quase, muito feliz ao saber dessa intenção de Rippert, o piloto alemão. Talvez tivesse massageado o ego intelectual de Saint saber que bastava abrir a janelinha e gritar “Je suis Saint- Exupéry”, e isso lhe pouparia o “banho de mar”, pobre dos outros pilotos abatidos pelo mesmo alemão, nem esse apelo da fama tiveram, morreram sem poesia em suas vidas, sem remorsos por parte do germânico.
Remorsos, digamos nós, muito bem superados, posto ter guardado o segredo debaixo do travesseiro por tantos anos e em momento algum perdido o sono, ou quem sabe o tivesse abalado tanto a culpa por tamanha perda que preferisse não comentar? Não sei ao certo, difícil dizer, teremos de esperar o livro que virá nos contar parte a parte o ocorrido.
Talvez a revelação da não intenção de derrubar o escritor faça algum sentido afinal de contas. Derrubar qualquer outra máquina não o consternaria tanto, pois apenas aquele um o havia cativado, sentia-se responsável apenas por aquele um, e se nem a raposa atacou o pequeno príncipe, que por sua vez conservou em uma redoma sua rosa, por que haveria Rippert de querer atacar Saint- Exupéry?

segunda-feira, 10 de março de 2008

Passou que nem vi!

Programas na TV, passeatas, reportagens especiais, bombons nos sinaleiros, flores no mercado, mas sejamos honestas, passou que nem vimos o dia da mulher acontecer.
Não vimos, umas porque trabalhavam naquele exato momento, outras porque dormiam, ao guardarem o sono dos filhos, ou suspirar pelo ronco do marido.
De certo uma legião lavava as calçadas desse mundo, enquanto outra legião protestava contra o gasto abusivo de água.
Sendo ainda, bem provável, que algumas estivessem a fazer as unhas, e tantas outras a roer-las de raiva.
E assim passou que nem vimos acontecer, e o dia oito acabou, com a mesma rapidez que o leite havia findado, e a roupa limpa também.
Ora pudera, nem é feriado nem nada, não move comércio, não financia shows, não suscita gastos, não deixa de ser apenas mais um dia como outro qualquer, afinal qual o propósito de comemorar a queima dos sutiens na era dos moderníssimos “sem costura” e que liberam hidratante pouco a pouco?
Qual a razão de celebrar a independência feminina justo na época em que cada vez mais mulheres se vêem escravas do espelho e do bisturi?
E como ser feliz com a igualdade de gêneros em uma sociedade na qual a mulher ainda trabalha três turnos e ganha menos que o homem?
Igualdade de gêneros coissíma nenhuma, o homem sempre será prosa, a mulher é mais poesia. Dia oito porcaria nenhuma, pois eu decreto que é hoje o meu dia!

segunda-feira, 3 de março de 2008

Quem são nossos heróis?

Não faz muito tempo recebi um e-mail com essa exata pergunta: “Quem são seus heróis?”, abri a mensagem ainda com a idéia de que se trataria de mais um daqueles e-mails sobre super-heróis do passado, desenhos animados da década de 80, mero engano.
A mensagem dessa vez trazia a frase que Pedro Bial solta, noite após noite, Big Brother após Big Brother, para introduzir-nos ao mundo da “casa de vidro”: “Vamos espiar nossos heróis!”, e logo em seguida vinha a indagação maior do escritor da mensagem eletrônica: “Nossos heróis? O que fizeram de tão interessante para ganharem esse título?”.
Não me contive em pensar no que caracteriza um herói, seria uma roupa engraçada, uma capa, a habilidade de salvar o mundo ou o amor infindo em seu coração? Há tempos atrás heróis, bem vistos e admirados pela população, eram os intelectuais, imersos em seus livros e, em outras épocas, dispersos em discussões emblemáticas nas mesas dos bares, cheios de teorias filosóficas sociais e descobertas cientificas.
Com suas equações matemáticas fizeram o homem voar, se comunicar por meio de ondas invisíveis, fez-se a luz, criaram novas religiões, ideologias de tamanho peso sócio-cultural que são seguidas e respeitadas até os dias atuais.
Os heróis/intelectuais eram os rebeldes de seus respectivos períodos, no entanto, a despeito dessa rebeldia, refletiam um ideal coletivo, foram à frente de seu tempo por enxergarem necessidades já existentes, mas que os olhos “destreinados” da maior parte da população não conseguiam perceber.
Hoje, para nós meros mortais, ligar nossa telinha de “realidade virtual” em uma discussão política ou um documentário a respeito das mudanças sociais soa ridículo, sem propósito, verdadeira perda de tempo ficar prostrado em frente a TV para assistir discussões as quais “não pertencemos”, muito mais proveitoso nos embrenharmos pelo quintal das casas dos “reality shows”.
E talvez Bial esteja certo, parcialmente certo, calma, abaixem as armas que eu explico. Talvez ele esteja certo em chamar os confinados na “casa de vidro” de nossos heróis pelo simples de fato de que chama-los assim não os tornam heróis de verdade e, nunca na história do mundo um herói verdadeiro, nos moldes antigos, foi assim denominado em vida, ao menos não pela população em geral. Os heróis/intelectuais tanto não foram reconhecidos que na inquisição muitos foram queimados a mando do próprio povo.
Dessa forma, notamos como a história se repete, e Bial é um fruto dela, um representante do povo, e não dos intelectuais, por isso ele promove, junto ao restante da população, a ascensão de heróis de papel, enquanto nós, inquisidores, queimamos diariamente heróis/intelectuais cada vez que mudamos de canal e escolhemos o “reality show” ao invés da discussão política, da entrevista com um literato, do filme realmente bom, mas sem o selo de Hollywood.
Afinal, como já mencionei, a história é cíclica, e seria assim independente das afirmações inúteis do Pedro Bial.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Todas as mulheres do mundo!

Ontem acordei tarde, passava do meio-dia. O sol ardia em minha janela e cintilava nas lantejoulas de algumas peças de roupas espalhadas pelo chão. Levantei meio atordoada, tropecei em uma sandália plataforma, onde andaria o outro pé? Com certeza não deveria ter bebido tanto na noite anterior, mas são ossos do oficio, sem bebida não há quem suporte aquela música alta, as frases gritadas, as luzes fortes que acompanham o ritmo das músicas em meio a uma verdadeira escuridão.
Engraçado pensar que semana passada eu era uma professora recatada do ginásio. Saias compridas, cabelos em coque, blusas com golinha japonesa e magas três quartos. Tons pastéis. Sapato de salto discreto, às vezes uma sapatilha bem confortável. Adormecia por volta das onze horas, lendo romances russos, poucas vezes um nacional, e despertava todos os dias cedo. Levava uma vida regrada, dentro de todos os limites que me eram impostos pela sociedade. Não me encantava quebrar limites.
Vida muito semelhante a da secretária que fui meses antes. As roupas, o cabelo, pouca maquilagem, acordar cedo, ser recatada, contudo o salto era maior, não muito maior é verdade. E eu era mais expressiva, era calma, meio quieta, mas tinha vários amigos e saíamos sempre, íamos a restaurantes, apresentações teatrais, bares.
Foi uma época muito produtiva, talvez tão rica quanto minha experiência como atriz de teatro, embora a ‘eu’ atriz tivesse um comportamento muito semelhante a ‘eu’ que acordou ontem tropeçando em sandálias.
Os ensaios começavam sempre às dez da manhã, eu, claro, chegava de ressaca todos os dias. Ao meio dia parávamos para almoçar, eu engolia qualquer coisa rápido e tirava um cochilo nas cadeiras no fundo do teatro. Nas próximas duas horas discutíamos sobre nossas performances, quais eram os pontos fortes e os fracos de cada um, como deveríamos melhorar isso e aquilo, como seria a noite de estréia.
Festas; como festejávamos a vida. Tudo era motivo para uma noite no bar, um jantar na casa de alguém, um churrasco, um encontro, um porre.
Mas as estréias eram boas, o público aplaudia em pé, a casa vivia lotada, os ingressos esgotados, e nosso bolso vivia vazio.
Foi minha “pós” de uma graduação que fiz detrás dos picadeiros. Pois é, trabalhei anos antes por detrás dos palcos de um circo. Não era um grande circo, não era uma grande profissão, mas pagou muito bem minhas contas durante algum tempo e me rendeu um rebolado que só o circo pode ensinar.
Como disse, minha vida foi no back stage, nada de glamuroso, nada que merecesse palmas em pé. Eu limpava as jaulas dos animais, fazia contorcionismo na jaula dos jacarés, malabarismo com o esfregão na jaula dos leões, e mágica para desaparecer a sujeira da jaula dos elefantes.
Foi nessa época que aprendi a valorizar meu tempo livre, cada segundo de descanso era posto num pedestal, era o instante mais bem aproveitado do meu dia. Mas era um emprego interessante, e a trupe era muitíssimo divertida. De todos os meus afazeres, o mais chato era acordar às cinco e meia da manhã para dar um peteleco no galo cujos berrinhos se encarregavam de acordar o restante do povaréu circense.
Está certo que acordar antes do sol não era novidade para mim. Houve um tempo, quando fui freira em um convento lá no interior paulista, em que acordar cedo era dormir muito. Todos os dias acordávamos às quatro para rezarmos antes de preparar o café da manhã. A elevação do espírito nos ajudava a enfrentar melhor as desavenças do dia-a-dia e, dessa maneira, melhor auxiliarmos nossa comunidade.
Líamos a bíblia ainda em jejum, e aos domingos participávamos da missa matinal, só depois começava nosso dia de laboro.
Cuidávamos de uma creche comunitária, cada irmã ajudava de acordo com sua formação acadêmica, ou suas habilidades. Eu, graduada em pedagogia, dava aula para as crianças e planejava suas atividades extras, trabalhava principalmente em conjunto com a irmã Ana, graduada em música, e a irmã Sandra, também pedagoga.
Foram dias glorificantes. As crianças os fizeram assim, dias harmoniosos, iluminados.
No entanto, ontem, como eu dizia, acordei dançarina de uma boate, uma profissão um pouco triste, um pouco feliz, com certeza ingrata e difícil, mas, como as anteriores, de grande valia e imenso aprendizado. Isso não se discute. Não se encontra no mercado o quanto aprendi com todas as mulheres que fui.
Só que isso aconteceu ontem, pois hoje acordei e no meu quarto não havia plumas nem paetês, nem esfregões ou scripts. Olhei no espelho e a imagem refletia uma feição conhecida, era eu ali, a mesma velha e irrequieta escritora de sempre.

* escrevi pensando no filme de Domingos de Oliveira, mais que na versão original com Leila Diniz e Paulo José, na música da Rita Lee e em uma entrevista de Lygia Fagundes Telles.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

No elevador!

Segunda-feira, sete da manhã. O elevador pára no primeiro andar, uma bela moça entra e educadamente deseja um bom dia ao ascensorista, o qual gentilmente devolve o sorriso e o “bom dia”.
_ Garagem, por favor. – pede a moça, que ao chegar ao seu destino despede-se e agradece os serviços do ascensorista _ Obrigada, tenha um ótimo dia de trabalho!
O elevador volta ao térreo. Ao longe o ascensorista observa uma figura gorducha, caminhando a passos longos, cabelo penteado para trás, pasta na mão, e ...
_ Essa não! – pensou o ascensorista assim que reconheceu a figura, e disse a si mesmo _ Lá vem a mesma piadinha sem graça de todos os dias.
E assim que chegou próximo o suficiente para ser ouvido, embora não em tom baixo, o rapaz bonachão grita:
_ E aí Seu Zé, firmeza?
Seu Zé respondeu com a educação de costume:
_ Tudo Bom, e com o senhor?
E conforme ia entrando no elevador o rapaz soltou a piadinha que acompanha a relação dos dois:
_ E ai Seu Zé, pronto pra subir na vida? Vamo lá pro catorze.
_ Sim senhor! – responde com um risinho apenas para manter a amizade.
Ao chegar ao catorze o rapaz se despede e entra em uma porta de vidro muito elegante onde trabalha há alguns anos já.
O dia de Seu Zé passa assim, entre “obrigados” e “bons dias” com raros momentos de descanso. Em um desses momentos reclamou a si próprio:
_ Poxa vida! Ninguém me pergunta algo descente nesse elevador, e eu tenho tanto a falar. Nunca pedem minha opinião sobre algo que passou no jornal, agem como se eu fosse uma das portas dessa caixa de metal, eu apenas subo e desço.
Ora bolas – continuou- eu leio, ouço música, e música boa, muito melhor que essas porcarias que tocam aqui o dia todo, eu saio aos sábados, vejo filmes, tenho muito mais a dizer que simples “sim senhor!”.
Confabulou sozinho durante alguns minutos até um rapaz distinto o arrancar de seus sonhos:
_ Boa tarde, como vai o senhor? – perguntou o rapaz.
_ Muito bem, obrigado. – respondeu educadamente ao rapaz, celebrando por dentro a mudança de repertório, imaginado que talvez naquele instante fosse finalmente travar uma conversa interessante. _ E o senhor? – perguntou ao moço – Como vai?
_ Muito bem, obrigado. Eu gostaria de ir ao décimo sétimo andar, por favor.
_ Sim senhor!
_ Diga-me – começou o jovem, enquanto Seu Zé mal podia conter a alegria que transbordava em seu olhar, sua imaginação fervilhava só de pensar qual seria o assunto abordado, seria sobre o incêndio na Alemanha? “Culposo, claro!” pensou, ou seria sobre o Rally Dakar? “É, na Argentina eu vi, estranho não?”, ou seria ainda sobre a redução da jornada de trabalho? “Ah, precisa né? A gente trabalha muito! O senhor não acha que merece um descansinho a mais?”.
Seu Zé parou de sonhar por um segundo, respirou fundo e esperou o assunto vir.
_ Quem o senhor acha que vai ganhar esse Big Brother?
_ Tenha um bom dia, respondeu Seu Zé radiante com a chegada do décimo sétimo andar.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Ser mulher é pra descer do paraíso!

Começo de ano e as formaturas rolam soltas. E ainda que contando com desistentes, aumento anual de meros conhecidos, e amigos que preferiram ir para a Europa, não adianta, a gente sempre é amigo de pelo menos um formando!
E com tantos chapéus voando pelos ares, tantas faixas, gritaria, corneta, papel colorido caindo do céu, além disso, temos a festa. A tão elegante e tradicional festa que consome algumas horas até das pessoas menos festeiras. Não há como fugir!
Lembro-me de um comentário solto no fundo da sala, pobre do menino que o soltou, de que seria mais proveitoso fazer um “baita churrasco”, “churrasco?” perguntou indignada uma voz feminina, “churrasco você faz domingo, essa é a noite mais importante das nossas vidas!” completou a mesma voz.
Logo após esse comentário não me contive em pensar que essa voz feminina uma dia se casaria, compraria sua primeira casa, teria seu primeiro filho, como ela poderia estar tão certa de que aquela era a noite mais importante de sua vida?
Não consegui também deixar de lembrar das antigas formaturas que fui, semanas procurando o vestido certo, as sandálias que combinassem melhor, o melhor penteado, os acessórios, cortar os cabelos, depilar as pernas, enquanto meu irmão fez a barba e colocou a mesma roupa que usou no casamento de nossa tia, o mesmo sapato, a mesma gravata, “que injustiça”, pensei, “logo eu que ganho menos, custo mais!”.
Não faz um mês vi uma reportagem falando sobre o piso salarial feminino, finalmente as mulheres ganham o mesmo que os homens. E isso era tudo o que passava pela minha cabeça enquanto olhava seriamente de arara em arara, analisando cada etiqueta de preço e pensando “quanto vai me custar o sapato que combina com isso?”.
Pode até, aos olhos de alguns desavisados, parecer bobeira uma preocupação dessas, no entanto me corroia o fato das mulheres não terem seu trabalho valorizado, monetariamente, como o homem e terem de se vestir muito melhor. E não falo das que insistem em usar roupas caríssimas, tratamos aqui da mulher tradicional, aquela do “dia-a-dia” mesmo, que trabalha oito horas, faz comida, lava a louça, busca o filho na escola, ajuda a fazer tarefa. Aquela que ao se dar o luxo de contratar uma ajudante, alguém só para lavar o banheiro e passar as camisas do marido, ainda agüenta o olhar de desagrado vindo por de trás da lata de cerveja sentada no sofá.
Quanto custa para essa mulher aí de cima ir para a academia, por exemplo? Ela precisa de calça nova, e uma blusinha, que ela vai alternar com as velhas guardadas no guarda-roupa. E o homem? Ele vai com o mesmo par de shorts que usa em casa aos domingos, uma única camiseta basta, e ninguém vai ousar chama-lo de desleixado. Aliás, os shorts são os mesmos para ir à piscina, já a mulher precisa de biquínis, caros pela própria natureza. Pois então, não te soa injusto ganharmos menos?
E tudo isso passava como um filminho enquanto lembrava dos vestidos comprados, roupas caras que não posso me dar ao desfrute de repetir. Bem, talvez eu reclame em nome de mulheres que ainda não fizeram as contas entre o quanto o mercado paga por sua mão de obra, e o quanto ele mesmo exige em gastos, afinal o homem escolheu o “churrascão” sem pompas, vestidos longos, arranjos de mesa, mas com muita comida e diversão, enquanto a mulher fez questão de fazer de sua formatura a noite mais importante de sua vida.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

“Esperteza, Paciência, Lealdade, Teimosia, e mais dia menos dia a lei da selva vai mudar"

O melhor amigo do bicho é o bicho! Quem já viu, ao vivo ou pela TV, sabe perfeitamente de qual musical infantil vamos tratar. O musical “Os Saltimbancos”, baseado nos contos dos irmãos Grimm, abrasileirado pelas vozes de cantoras como Miúcha e Nara Leão, e pela imaginação de Chico Buarque.
Muitos de nós já cantarolamos algumas dessas inocentes músicas infantis, certo? Bom, pelo menos até a parte do cantarolamos é muito provável que a afirmação esteja correta, contudo, inocentes e infantis até que ponto?
Todos já ouvimos falar de George Orwell, o literato de origem indiana autor do célebre 1984, obra “criadora” do personagem, em adaptações nem tão célebres assim, Big Brother. Além dessa criação, Orwell foi responsável por outra obra mais antiga, embora menos conhecida, de tamanha importância; “A revolução dos bichos”, inspiradora de Chico Buarque em sua história infantil.
As duas narrativas tratam, por meio de metáforas e alegorias, de problemas relacionados a quaisquer países, sejam capitalistas ou socialistas, industrializados ou emergentes; a questão que segue pouco tem a ver com países pobres ou ricos, trata-se de fato da nossa subordinação cega ao estado.
Nas palavras de Buarque segue o aviso de que os bichos um dia virarão fera, nas de Orwell segue a revolução liderada pelos porcos; nas melodias de Buarque a esperança impressa na voz do burro ao dizer que bicharada unida pode vencer qualquer barão, basta saberem respeitar e administrar suas qualidades individuais, Orwell, por sua vez, trata do problema com frieza britânica ao descrever a respeito dos deslizes capazes de acontecer em uma sociedade teoricamente igualitária.
Mas não há como negar, ambos são fluídos, leves, de fácil compreensão, capazes de te encantar, provocar sonhos com momentos melhores, posto carregarem consigo mensagens de luta, união e perseverança das quais esquecemos assim que tomamos as rédeas de nossas vidas.
Como no livro de Orwell, tão logo nos tornamos senhores de nós mesmos, viramos “porcos” e começamos a negociar coisas antes inegociáveis, somos os barões dos saltimbancos.
De repente o coletivo não mais importa, e até nossas revoluções aguardamos que alguém as faça, afinal, quantos deputados deverão furar pedágios para entendermos que a briga também é nossa? Será que somos tão teleguiados pelo estado que até um protesto contra leis abusivas deve partir do legislativo? Decida-se, ou você é um burro ou um porco!

Todos Juntos - Os Saltimbancos (trecho)

“Esperteza, Paciência
Lealdade, Teimosia
E mais dia menos dia
A lei da selva vai mudar
Todos juntos somos fortes
Somos flecha e somos arco
Todos nós no mesmo barco
Não há nada pra temer
- Ao meu lado há um amigo
que é preciso proteger ..."

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Entre "Eu" e "Mim"

Há muitos anos raiou no céu Brasileiro uma nova estrela, era o príncipe dos salões, comparecia a todas as festas, grandiosas ou não lá estava “Eu”. “Eu” caminhava com desenvoltura pelas cidades brasileiras, entre crianças, jovens e adultos sempre o encontrávamos. “Eu” era elegante, despojado, tímido, audacioso, engraçado e sério, ás vezes de uma seriedade irritante, mas gostávamos dele, e o convidávamos para todas as nossas conversas, públicas ou particulares. Com o passar dos anos mudanças sérias aconteceram, nosso comportamento não era mais o mesmo, os vínculos de amizades verdadeiras diminuíram espantosamente, e “Eu” foi perdendo seu lugar. As crianças não queriam mais aquele grandalhão de peso em suas brincadeiras, os adolescentes o enxotavam de suas conversas “internéticas”, e apenas alguns poucos adultos continuaram a conviver com nosso companheiro de séculos.
Outro fator que influenciou nossa mudança comportamental, e consequentemente o esquecimento de “Eu”, foi a abertura ocidental aos valores orientais. Explico-me, cada vez mais nos rendemos aos valores milenares das culturas orientais, seja pelo advento da internet, que aproximou o mundo, seja pelo advento do semancol, que nos fez perceber o quão perdidos somos perante os inventores da bússola.
De qualquer maneira, relutamos, relutamos, mas nos rendemos aos encantos chineses, e vieram roupas, comida, bolsas, comida, remédios, comida, chás, comida, atividades físicas, hummm comida, enfim tantas novidades que acabamos por trocar nosso tão brasileirinho “Eu” pelos olhinhos puxados do “Mim”.
Atualmente, “Mim” comparece a todos os eventos para os quais levávamos “Eu”, e o chinesinho participa mesmo, não falha uma festa, um acontecimento qualquer, ele sempre está lá. Tudo recai sobre seus ombros, é para “Mim” fazer, para “Mim” comprar, para “Mim” lavar.
Sabe, no tempo do “Eu” as pessoas se perguntavam umas as outras como ele conseguia dar conta de tudo aquilo, alguns encontravam a resposta no tamanho robusto do rapaz, em sua descendência afro, ou no jeitinho brasileiro. Às vezes, hoje, me pergunto a mesma coisa sobre “Mim”, como tão magrinho e quieto ele consegue dar conta de tantos eventos e tudo mais, bem... vai ver esse é mais um dos segredos da medicina oriental!

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Carnaval, meu carnaval. Eu fico triste quando chega o carnaval!

Quantos de nós já ouvimos a famosa frase “no meu tempo era melhor”? No meu tempo as meninas se davam ao respeito. No meu tempo tínhamos brincadeiras dançantes, aliás, no meu tempo nós sabíamos o que era dançar, música calma, para dançar junto da moça.
Agora, há menos de uma semana, ouvi a melhor de todas, e veio assim sem mais nem menos, com uma simples resposta a uma pergunta comum, “E o carnaval? Já fez planos?”, e lá estava meu interlocutor, sentadinho, me fitando calmamente, pensou, escolheu as palavras e, finamente, respondeu que talvez ele e a esposa fossem ao clube.
E logo continuou, sempre calmo, me contando que há anos eles vão de clube em clube analisando calmamente qual deles melhor corresponde à idade do casal, afinal eles adoram carnaval, a dança, o ritmo, o suor e muito mais, visto que estamos falando de um paulistano muito do carioca.
Todavia, ainda que perdido em meio ao encantamento que a simples idéia da festa trouxe, não tardou para a frase surgir; “mas no meu tempo de moço, ainda estudante lá no Rio de Janeiro, nossa, era muito diferente”.
Não me segurei, embora imaginasse já saber a resposta, acabei prolongando a prosa e perguntei o porquê era tão diferente, seria por que as meninas eram mais recatadas, ou as danças eram melhores, verdadeiras marchinhas de carnaval? Claro, ele confirmou tudo, me confessou que as moças não se davam ao desfrute, e os casais se respeitavam mais, chegavam a se dividir no salão só para dançarem mais soltos e se reencontrar no fim da festa, “nada demais”, disse ele, “isso era carnaval”.
Contou ainda o caso de um amigo de cidade pequena que foi ao Rio sonhando com um baile “cheio de moças para ele agarrar” e completou em seguida, dessa vez nada calmo, mas com um pequeno sorriso no canto da boca, “ah, mas as moças não eram assim, elas se davam ao respeito”, disse que o tal amigo, embora muito bem avisado de que as moças rodavam de mãos em mãos apenas para dançar, se encantou com uma em especial, “não deu dez minutos meu amigo voltou com um baita bico, pois a moça não apenas o dispensou, como o fez com muita sabedoria, dizendo para o meu amigo que gostava muito de sexo, mas no momento certo e com a pessoa certa e ele (o meu amigo) não preenchia nenhum dos requisitos”,confessou orgulhoso ao confirmar a seriedade das moças de sua época.
Senti a empolgação pelo assunto e perguntei logo se era disso, dessa seriedade dos anos passados, que ele sentia mais falta. Ele pensou um pouco, os olhinhos brilhando iluminando aquele semblante ingênuo que apenas a idade pode imprimir no rosto de alguém, quando de repente soltou a resposta mais inusitada que aquela voz de avô poderia soltar:
“Ahh, o lança-perfume era muito melhor na minha época!”

domingo, 20 de janeiro de 2008

A Televisão nossa de cada dia!


As contradições puritanas são realmente interessantes. O programa "Sex in the City" seria perfeito não fosse o fato de tratarem do assunto de forma tão aberta que se esquecem das doenças envolvidas no tema. Nunca uma única camisinha foi comprada naquele programa. Nunca ninguém contraiu nenhuma doença sexualmente transmissível, nem uma porcariazinha de herpes genital, e eu duvido que alguma das quatro personagens principais se lembre de tomar a nova vacina contra HPV. Há algum tempo eles poderiam usar a desculpa de que só Vó gosta de falar de doença, e colocar um assunto de Vó num programa sobre sexo seria no mínimo um sacrilégio, acontece que as Vovózinhas transam e o número de casos de AIDS entre idosos aumenta mais do que entre jovens. Outra contradição entre diálogo e comportamento está no fato do brasileiro, que se diz tão "quente na cama" ser o campeão de acesso em sites pornôs. O título é de país do Carnaval, mulheres bonitas e fogosas, campanhas contra Aids (que aparentemente é a única doença sexualmente trasmissível por aqui, país abençoado esse, não?), tudo isso no país dos voyers. Vai ver esse voyerismo é o verdadeiro motivo da aversão a cenas de sexo na TV, a gente costuma não gostar daquilo que não conhece mesmo. Imagina os pais (adoradores da imagem e não do ato) tendo ereções na frente dos filhos, que por sua vez não entenderiam nada (não se fala de sexo na frente das crianças), as únicas que entenderiam os acontecidos e achariam tudo natural seriam as sexualmente ativas Vovózinhas.
Eis a maior das janelas que aguçam nosso voyerismo, a TV, pois a partir do momento em que nos conformamos em assistir o mundo nós também nos conformamos em assistir o Mensalão, as Anacondas, as Sangue-sugas e não fazer mais nada, afinal de contas a TV não interage e o espectador nunca vai ser o personagem principal de trama nenhuma, ele não tem falas, não tem desejos, no máximo ele bate palmas. O mais engraçado é que a TV é a única janela que tem a mesma vista independente de onde você esteja.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Canto de cicatriz

Dias atrás estava assistindo TV quando um programa especial do canal Brasil me chamou a atenção, falava-se sobre abuso sexual infantil, vim depois a descobrir que se tratava de um documentário intitulado “Canto de cicatriz”.
Alguns dados a maioria de nós já conhece, o abuso sexual infantil acontece, principalmente, contra meninas, apesar dos meninos também serem vitimas, fato que notamos cada dia mais nas notícias de pedofilia. Outro fato destacado pela reportagem foi o de a grande maioria dos abusadores serem pessoas nas quais a família confia suas crianças, chegando ao absurdo de ser o próprio pai.
Claro que por mais batidas que essas informações estejam ainda chocam e muito, entre muitas coisas pelo simples fato de serem tantos casos tão parecidos a ponto de nos perguntarmos o porquê de não acabar nunca, como sabendo de tudo, como, quando e onde acontecem, ainda assim nossas famílias são reféns dessas tragédias aguardando à mercê da sorte.
O programa mesclou relatos de garotas vítimas desses maus tratos, um poema de Celso Gutfreind, escrito pelo psicólogo infantil especialmente para o documentário, e explicações de sumidades como Moacyr Scliar e Télia Negrão, que integra a diretoria da Rede Feminista de Saúde, entre outras pessoas estudiosas do assunto e pessoas escolhidas ao acaso pelas ruas.
Das explicações “cientificas” não subtraí nada além das informações que vemos repetidas a cada reportagem sobre o assunto, das vítimas além da dor, do trauma, das palavras ásperas, em algum lugar havia muito diferente de um pedido de socorro ou de dó, era notável o orgulho pessoal de ter aos trancos e barrancos sobrevivido a tragédia e recomeçado vida nova. Das entrevistas pelas ruas talvez a resposta para a questão levantada anteriormente.
Em um programa como esse tudo é feito para causar estranhamento, impacto e quem sabe gerar alguma reação no espectador, o poema sendo declamado vagarosamente em um fundo preto, uma atriz sem reações faciais, as estatísticas dolorosas e frias na boca dos médicos entrevistados, as lágrimas nos olhos das meninas violentadas.
Tudo isso já seria mais que o suficiente para levantar qualquer questão de fundo social, no entanto o maior impacto, em minha opinião, foram as entrevistas nas ruas. A maneira como as pessoas reagiam as perguntas e, em especial, suas respostas me entristeceram bastante.
Ao serem questionadas sobre o que consideram abuso infantil todos disseram ser atos íntimos praticados com crianças pequenas, pequenas, para eles, são crianças de no máximo 12 anos. Por esses dados nós entendemos que aos 13 anos a menina já responde como mulher e, portanto sabe provocar um homem e buscar por relações sexuais, homem esse que provocado por uma mulher de 13 anos sente-se no direito de satisfazer seus “instintos masculinos”.
Uma mulher entrevistada pelo documentário disse que as meninas de hoje já sabem que roupa usar para provocar os homens, e depois reclamam quando os homens as atacam. Ora, pois não deveriam? Deveriam ser atacadas e permanecerem quietas? Afinal, só se configura abuso quando a pessoa não tem discernimento de certo e errado? E as velinhas que andam sendo violentadas nas ruas escuras? Não foram violentadas pois sabiam o que estava acontecendo? Foram coniventes no ato e não deveriam, dessa maneira, reclamar do ocorrido?
E o pior de tudo isso é que foi uma mulher quem disse aquela bela frase a respeito das meninas. E não uma mulher qualquer, ela já aparentava uma certa idade, talvez fosse avó.
De qualquer forma viveu o suficiente para ver a mudança comportamental de nossas meninas e chegar àquele pensamento tão sublime, no entanto, em nenhum momento de sua vida deve ter parado para refletir a respeito do que é ser uma mulher hoje, e muito menos sobre como é ser uma pré-adolescente. Viver presa entre o infantil e o adulto, o mundo lindo cor de rosa e inocente, e o mundo sensual projetado nas revistas Teens, nos filmes feitos para essa faixa etária, nas revistas de beleza que as próprias mães carregam para dentro de casa.
Chamar a atenção não é uma mera vontade mimada, pintar os cabelos, ter roupas que modelem o bumbum, sapatos de salto, redução ou aumento de seio, a busca pela perfeição plástica, coisas que vão muito além de simplesmente se destacar perante um olhar masculino, e sim desaparecer diante de todos os olhares, ser natural em um mundo que lhe é novo, agir como se pertencesse ao lugar, brincar de ser adulta de vez.
Todos somos assim, queremos parecer que entendemos o jogo, que lemos o jornal, que acordamos maquiladas como as atrizes das novelas, que nossos corpos nasceram esculpidos, queremos ser “naturalmente” magras, como se a magreza caísse bem para todas nós.
E é engraçado que cada uma de nós se sinta responsável pelas próprias escolhas, capazes de fazê-las e terrivelmente irritadas quando alguém nos confronta dizendo que não deveríamos fazer tal e tal coisa.
Engraçado como todas nos entendemos e buscamos coisas em comum, mas somos as primeiras a dizer que uma menina, usufruindo de seu direito de vestir aquilo que bem quiser e de copiar a moda adulta que bem entender, direito, por sinal, concedido por nós mulheres, está provocando o “instinto masculino” e, portanto não pode reclamar dos abusos sofridos.
Muito mais triste que um homem se julgar no direito de quebrar todas as regras do bom convívio social, e atacar feito um animal qualquer pessoa que seja, em especial, nesse artigo, uma menina, muito pior que isso é uma mulher justificar o ato grotesco desse homem e culpar a menina por isso.
É esse pensamento pequeno e inaceitável de uma mulher contra outra que impede a diminuição dos casos de assédio sexual, prostituição e abuso infantil, uma vez que são esses pensamentos medíocres os responsáveis pelo silêncio de nossas vítimas, como se fosse vergonhoso ser atacada, e fosse normal, mera conseqüência instintiva atacar um inocente.

Poema recitado no documentário:
Canção para a menina maltratada - Celso Gutfreind

Não, não será com métrica nem com rima.
Uma coisa sem nome violentou uma menina.
Ação barata sem a pratado pensamento o ouro do sentimento o dia da empatia.
Noite.Uma coisa. Não era o lobo nem o ogro nem a bruxa,
era a fúria do real sem o carinho do símbolo.
Stop, a poesia parou.Ou foi a humanidade?
Stop nada, a menina sente e segue com métrica, rima, graça, vida.
Onde está tua vitória, ignomínia?
Uma prosa continua poética como era saltitante o bastante para não perder a poesia.
A coisa (homem?) é punida como um lobo no conto de verdade.
E imprime-se um nome na ignomínia.
A menina liberta expressa ri e chora, volta a ser qualquer (única) menina.
Pronta para a métrica pronta para a rima pronta para a vida(canto de cicatriz),
pronta para o amor a dois,à espera, suave, escolhido.