domingo, 7 de novembro de 2010

Gentileza e educação!

Em tempos de campanha política, ouvimos de tudo um pouco. Pensamentos filosóficos são lançados ao vento sem o menor enrubescimento por parte do filósofo.


Não vamos entrar aqui em discussões político-sociais. Não é o “partidarismo” dos comentários que me espanta, mas o fato de, na maioria das vezes, serem contraditórios ao ponto de ofenderem apenas a inteligência dos que ouvem e a imagem dos que o reproduzem.


Há pouco tempo, por exemplo, ouvi na mesa de um bar qualquer algo interessante. A pessoa indignada com a situação política do país (e com boa dose de razão) quis defender suas ideias com ago similar à seguinte frase: “O nosso atual presidente é um analfabeto. Estamos levantando a bandeira de que estudar não é necessário. E ele também não fez nada além do que o presidente anterior (falando aqui sobre FHC) havia feito...o país continua igual”.


A conversa seguiu seus rumos naturais de toda conversa de bar, e, no final, já falávamos sobre qualquer outro assunto um tanto mais banal.


Todavia, pensei cá com meus botões: se, em um país como o nosso, com as taxas de analfabetismo que temos (funcional ou não), fôssemos esperar o proletariado graduar-se, defender uma tese qualquer e, só então, candidatar-se à presidência, continuaríamos, para sempre, sendo governados pela elite financeira que, em teoria, não quer educar o proletariado. Uma grande bola de neve.


Mas...tudo bem, eu entendi que a mensagem de vencer sem estudos vai contra a nossa educação pequeno-burguesa. Eu compreendi a crítica de meu colega de bar, afinal, somos criados para buscar o sucesso pelo esforço próprio e pelos estudos e conhecimento. Só achei engraçado que, segundo meu amigo, um sociólogo e um analfabeto tinham conduzido o país de maneira muito similar. Dessa maneira, podemos dizer que temos um “analfabeto” pensando como um sociólogo ou que tivemos um sociólogo pensando como um analfabeto? Fiquei confusa, pois de uma maneira ou de outra que diferença faria então sermos representados por um ou por outro?


Na música “Gentileza”, de Marisa Monte, temos um questionamento muito importante, principalmente em um país como o nosso, com um sistema educacional deficitário, embora culturalmente riquíssimo: “Por isso eu pergunto/à você no mundo/se é mais inteligente/o livro ou a sabedoria”.


Não é possível alguém ser inteligente sem ter se debruçado em milhões de livros? A vida pode educar alguém e proporcionar conhecimento, como no caso de Gentileza. Pode não ser um conhecimento erudito e canônico, mas todo conhecimento pode gerar erudição. Assim como o contrário pode acontecer. Afinal, é possível alguém se formar doutor sem ter raciocínio lógico ou sem ter conhecimento do mundo que o cerca. Não deveríamos nós, mais do que muitos outros povos, valorizar o saber que a vida trás? Eu não apóio o abandono aos livros, longe disso. Talvez devêssemos bater em um liquidificador o sociólogo e o analfabeto e teríamos algo surpreendente. Sempre ouvimos as pessoas dizerem que não deveríamos deixar de ser criança. Nesse momento, eu acredito nisso. Deveríamos olhar para o conhecimento com os olhos de uma criança estudiosa, fazendo sua tarefa, sem faltar às aulas e, ainda, pedindo aos pais e avós que lhe contem algum fato curioso, algo de suas vidas, da história de suas famílias, cultura que não leremos em livro algum.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

London, london...little london


Essa semana encontrei um rapaz chorando na rua. Ele pedia desesperadamente que alguém levasse sua filha adoentada ao hospital mais próximo. Ninguém lhe ouviu. Todos tinham certeza de que se tratava de um golpe qualquer. Não víamos filha nenhuma.
A filha, segundo ele, estava na farmácia da rua de cima. Disse a ele que não poderia ajudar, mas corri até lá, apenas para me certificar do óbvio, de que não havia filha alguma.
Fui para casa assustada, um pouco pelo ocorrido em si, e muito com a qualidade artística do rapaz. As redes de televisão estão deixando escapar esses jovens talentos pelas ruas das grandes cidades.
Quando consegui me acalmar, entristeci novamente. Não compreendi o que era pior nessa confusão toda. Chateei-me, claro, com a existência de um mentiroso como aquele sentado por aí atrás da carteira, ou sei lá de mais o quê, de uma pessoa caridosa qualquer. Mas o fato de ninguém sequer olhar para o sofrimento alheio, nem ao menos se preocuparem em verificar os fatos, isso também me preocupou. Ir até a farmácia foi um passo tão simples. E se houvesse mesmo uma criança por lá chorando compulsivamente de medo e dor?
Fiquei surpresa com a facilidade com que julgamos as pessoas sem nem ao menos ouvi-las. Fiquei mais surpresa ao verificar que, grande parte das vezes, estamos certos em nosso julgamento precipitado. O que não exclui nossa responsabilidade em verificar os fatos, creio eu.
Liguei para a polícia. Não voltei para conferir o restante da história.


Não tenho nada com isso, nem vem falar. Eu não consigo entender sua lógica.

Teimo a encarar com naturalidade os passos apressados em uma rua escura, fugindo da própria sombra cada vez mais.

Procuro olhar diretamente para os semblantes raivosos por trás de volantes no final da tarde.

Não consigo entender a voz grave ao lado do filho enquanto a TV grita ao fundo com uma passeata pedindo paz.

Surpreende-me o tom inseguro que usamos para nos defender. E me assusta o excesso de segurança que temos ao atacar alguém.

Não quero entender o grito abafado no travesseiro, o “sim” dito por medo ou o “não” por comodidade.

Prefiro a dúvida, sempre. A certeza fecha caminhos desconhecidos. E o desconhecido não deveria ser encarado pelas nossas bocas raivosas cheias de certeza de nada, andando apressadas pelas ruas e evitando olhares desagradáveis.

O desconhecido deveria ser apreciado com o olhar da curiosidade e da inovação.